08 outubro 2005

Meu caro amigo Honório:

A conversa que tivemos no dia dos meus anos conduziu-me a longas ruminações, parte das quais lhe vou transmitir na humilde esperança de que lhes faça algum bom proveito:

No reinado de D. Dinis deu-se a grande desgraça da Peste Negra. Dois terços da população portuguesa morreu, tendo o outro terço sobrevivido não obstante o contacto directo com esse vírus terrível nas deficientes condições de higiene que os nossos historiadores relatam.

Diz-se hoje que, provavelmente os sobreviventes resistiram à doença por transportarem um "quadro genético" resistente a essa doença.

Esse "quadro genético", como todos os "quadros genéticos", foi herdado por cada indivíduo, dos antepassados da sua linha genealógica. Tinham uma diferença, que desconheciam possuir, que lhes poupou a vida no contexto dessa epidemia.

Isto sugere que cada um de nós possa possuir características genéticas cujas implicações desconhecemos e que nos podem ser muito úteis. A nós e aos nossos descendentes a quem as transmitirmos (se essa transmissão ocorrer).

Imagine agora que foi feito um estudo de Saúde Pública no tempo de D. Dinis, usando os restos mortais de pessoas que morreram no tempo da Peste Negra, e que se chegou à conclusão que nesse tempo a maioria das pessoas morria antes das 40 anos (esperança de vida), de desastre, tuberculose, lepra etc. e que os que passavam todas essas barreiras vinham a morrer mais tarde de cancro da mama, ou da próstata ou da doença de Alzheimer.

Imagine agora que esse estudo concluiu que todos os sobreviventes à Peste Negra possuíam o gene hereditário da doença de Alzheimer e morreram mais tarde com essa doença ou com outra qualquer, e que, dos que morreram de Peste Negra, nenhum tinha esse gene.

Se assim fosse, podíamos afirmar com segurança que você devia a sua existência a sua Mãe como progenitora mas também à sorte de a doença dela ter sido sempre transmitida ao longo da sua arvore genealógica não deixando que a árvore "secasse" quando da Peste Negra.

Também podíamos afirmar que os seus descendentes (e já são tantos) podem ter esperança razoável de ser imunes à Peste Negra.

Se hoje surgisse um surto de Peste Negra na cidade do Porto, onde você mora, era legítimo da sua parte mandar fazer um estudo dos seus genes na esperança que sua Mãe lhe tivesse transmitido o gene da tendência para contrair a doença de Alzheimer, pois isso significava estar imune àquilo que mais importava no momento. Ainda por cima, não era certo que viesse a contrair a doença de Alzheimer.

Os desígnios de Deus são insondáveis, pelo que devemos aceitar com igual gratidão o que Ele nos dá: as coisas boas, porque nos agradam, e as coisas más porque (Deus sabe) também são boas.

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