22 outubro 2005

O Dia Mundial dos Cuidados Paliativos comemorou-se no passado dia 8 de Outubro.
A esse propósito, revista XIS publicou um artigo assinado por Claudia Freitas, em que a articulista começa por dizer:

"Absorvidos numa cultura que privilegia a realização material e promove os valores da autonomia, do sucesso, da beleza e da juventude eternas, é quase natural não estarmos preparados para lidar com estas situações...".

Mais à frente a autora fez-me saber que:

"... os cuidados paliativos são um conjunto de técnicas altamente especializadas que não pretendem influenciar o decurso da Natureza mas sim aliviar a dor e o sofrimento físico, preservando a qualidade de vida do doente e daqueles que lhe estão próximos e permitindo-lhes viver esse tempo com dignidade..."

Foi nesta fase da leitura que a minha mulher me chamou para o jantar, subtraindo-me aos braços acolhedores do sofá e lançando-me na inóspita cozinha, para a "sopa seguida de uma peça de fruta" a que estão reduzidos os meus jantares de cinquentão.
Contei-lhe o que estava a ler, e trocámos umas larachas com algum humor sobre a profusão dos Dias Mundiais. Mas, nos bastidores do meu cérebro eu ia revendo a triste experiência que tinha vivido quando da morte de um familiar nosso, que aconteceu no Hospital Egas Moniz, numa enorme enfermaria anexa ao hospital, para aonde levavam os doentes terminais. Aí o recolhimento era impossível, a privacidade também.
Voltei ao sofá, tentando antecipar mentalmente o resto que ia ler. Se calhar a autora ia propor a criação de mecanismos de formação para as famílias, já que se tratava de "técnicas altamente especializadas". Ou iria propor que se alterasse a lei do apoio à família na doença. Enfim, iria propor algo que corrigisse a tal cultura que não nos prepara para estas situações.
Mas, para meu espanto, encontrei o seguinte texto:

"Felizmente existem muitas pessoas com vocação, com uma extraordinária capacidade de amor e de entrega que dedicam o melhor dos seus dias a dar sentido aos dias dos outros, promovendo a auto-estima dos doentes ...".

Afinal a autora estava era a propor a criação de uma nova profissão, a que chamarei de Paliativista, com técnicos a quem as famílias recorreriam quando tivessem um doente com necessidade de acompanhamento e carinho. Não estava em causa mudar a cultura no sentido de proporcionar aos doentes terminais os cuidados e a atenção dos seus familiares na hora da morte, mas a atenção de um profissional na hora da morte.

A Claudia Freitas está com certeza a ser realista, pois não é previsível que as famílias troquem o comodismo das suas rotinas pela convivência com os seus doentes terminais, com tudo o que isso significa de abdicação, de ansiedade. Não é previsível que um filho peça redução de horário ou licença sem vencimento para tratar de um pai, depois de avaliar os contras dessa situação, no que diz respeito à diminuição de rendimentos ou dos estragos que essas situações possam provocar na sua carreira profissional.

Olhos não vêm, coração não sente. Haja dinheiro para colocar o doente num lar e para pagar ao lar e mais ao Paliativista! Ficamos todos satisfeitos!

2 comentários:

Anónimo disse...

Dos 105 mil portugueses que morrem anualmente, mais de metade precisa de cuidados para aliviar o sofrimento, diz presidente do Movimento de Cidadãos Pró-Cuidados Paliativos (...)

http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=593257&div_id=

Uma vergonha, o que se passa neste País! Sócrates disse que ia ajudar os velhotes, que ia promover grandes reformas, quando a única medida que tomou até agora nesse "domínio" foi atacar-lhes, precisamente, as magras pensões de reforma.

Abraço.

SDF disse...

Ora aqui está um sub-tema que me é muito querido - Cuidados paliativos - e que faz parte de um grupo ligeiramente mais alargado que são cuidados de saúde a doentes terminais e a questão da morte para todos os envolvidos no processo (paciente, profissionais de saude e familiares).

A quem também se interessar por estes temas, recomendo vivamente a leitura das obras daquela que foi a pioneira a trazer estes assuntos para a luz do dia e que dedicou toda a sua vida a tentar mudar positivamente mentalidades e culturas: Dra. Elizabeth Kubler-Ross, que recentemente nos abandonou, embora deixando-nos um legado riquíssimo de ensinamentos. mais informações no seu website institucional: http://www.elisabethkublerross.com/